Título: Gênio Epidêmico da Dengue: uma construção coletiva durante a Jornada sobre Dengue, realizada na Associação Paulista de Homeopatia, em abril de 2002.
1. Introdução
Estamos vivendo em nosso país, particularmente nos últimos oito anos, uma séria epidemia de Dengue, caracterizada por casos de infecções primárias causadas pelos sorotipos circulantes em nosso meio, pelo aparecimento de casos secundários e, conseqüentemente, pelo surgimento de complicações hemorrágicas e casos de óbito cada vez mais freqüentes, acompanhando a tendência mundial de agravamento da epidemia ano após ano, particularmente em países tropicais como o nosso.
A Homeopatia já se mostrou um instrumento eficaz em muitas epidemias no passado, de acordo com vários relatos de homeopatas clássicos, especialmente no século XIX e começo do século XX antes do advento dos antimicrobianos. Tais relatos se referem às epidemias de cólera tratadas por Hahnemann e Gerstel em Brünn na Alemanha, por Chargé (médico de Napoleão) na França, às epidemias de Escarlatina e Sarampo tratadas por Kent nos EUA, além de epidemias ocorridas na Espanha e México controladas com medicamentos homeopáticos. Em nosso país existem relatos de tratamento de Febre Amarela por Antônio Murtinho Nobre, que trabalhou junto com Osvaldo Cruz, e por Guilherme Marchi em Niterói durante a epidemia de Gripe Espanhola no começo do século passado.
Entendendo que a Homeopatia pode e deve prestar um serviço às nossas comunidades durante a atual epidemia de Dengue, em plena evolução, tanto profilática como curativamente, torna-se imperioso um programa em âmbito nacional visando a aplicação de nossa terapêutica, o que, além de minorar o sofrimento dos pacientes, pode contribuir para que a Homeopatia seja cada vez mais acreditada como uma terapêutica eficaz e de baixo custo, perfeitamente aplicável no campo da Saúde Pública e na saúde individual.
A aplicação profilática de medicamentos homeopáticos baseia-se principalmente nos Parágrafos 32 a 51 da 6ª Edição do Organon, nos quais Hahnemann afirma que uma doença artificial mais forte e semelhante sobrepõe-se à mais fraca, curando-a, fato também observado por Hipócrates. O mesmo raciocínio pode ser aplicado para a compreensão do poder profilático do medicamento homeopático: uma doença artificial semelhante e mais forte – “dengue artificial” – protegeria o organismo de uma doença mais fraca – dengue natural.
Dessa forma, na escolha do medicamento a ser usado para profilaxia em grande escala, deve ser considerada a necessidade da utilização de um medicamento que pertença ao Grupo Epidêmico de Medicamentos, mas que ofereça um menor risco de reações violentas e intensas aos usuários do serviço, principalmente nos hipersensíveis. Assim, o melhor medicamento profilático não é necessariamente aquele que cobre a maior parte dos sintomas.
Em abril de 2002, em virtude da epidemia de Dengue que vem se desenvolvendo em vários municípios do Estado de São Paulo, foi realizada na Associação Paulista de Homeopatia uma Jornada sobre Dengue, visando a construção do Gênio Epidêmico e seleção do Grupo de Medicamentos Epidêmicos para a Dengue, e a discussão do melhor medicamento para prevenção da doença.
O referencial teórico para a discussão do tema, são os parágrafos. 101, 102 e 241 do Organon, e a metodologia proposta por James Tyler Kent nas Lições III e XXX
2. Principais Aspectos dos Quadros Epidemiológico e Clínico da Dengue
· A palavra Dengue é o homônimo espanhol da expressão “ki denga pepo”, usada pelos nativos da região do Caribe e que significa “cãibra súbita causada por espíritos maus". Outras origens: do árabe arcaico, surgida em 1926, e que significa fraqueza; epidemia em 1870 em Zanzibar, na África, expressão “ki denga pepo”, que significa “pancada ou golpe por um mau espírito”. · Sinonímia - “febre quebra ossos”. · Característica – é uma doença infecciosa febril aguda epidêmica, de etiologia viral, de curso benigno ou grave, com epidemias explosivas nos países tropicais. · Epidemiologia – os primeiros registros da doença são do século XVIII no sudeste asiático, África e Américas. No Brasil, os primeiros relatos são de 1846. Evolui em surtos epidêmicos com cerca de 100 milhões de casos anuais no mundo. · Agente etiológico - arbovírus da família Flaviviridae, gênero Flavivirus com 4 sorotipos: DEN-1, DEN-2, DEN-3, DEN-4 · Sorotipos circulantes no Brasil – DEN-1 e 4 (Boa vista - 81-82); DEN-1 (R.J.- 86-87); DEN-2 (R.J.- 90) e DEN-3 a partir de 2001. Relatos de DEN-4 em PE. · Sorologia positiva (IgM) a partir do 5º dia de doença em 80% dos casos, e entre 6º e 9º dia em 99% dos casos. IgG surge entre 5º e 7º dia do início dos sintomas. · Vetor – mosquito Aedes aegypti – apenas a fêmea é hematófaga e transmissora, após o 30º dia de vida (ciclo de vida – 6 a 8 semanas). Hábitos diurnos, principalmente no começo da manhã e à tarde. · Período de Incubação – 2 a 15 dias (média – 5-6 dias). · Período de transmissibilidade homem à mosquito – desde 1 dia antes da febre, até 6-9 dias após início dos sintomas. · Suscetibilidade e Morbidade – universal, mas 40% das infecções são assintomáticas. · Imunidade – específica e permanente para cada sorotipo (homóloga) e imunidade cruzada parcial e temporária entre os 4 sorotipos (heteróloga). Quanto menor o tempo entre as infecções, maior o risco de manifestações hemorrágicas. · Diagnóstico diferencial: · Sarampo, Rubéola, Escarlatina · Malária, Febre Amarela, Leptospirose, Hepatites e Meningite meningocócica (nos casos hemorrágicos) · Formas Clínicas: · a) DENGUE CLÁSSICA (DC) · b) DC COM MANIFESTAÇÕES HEMORRÁGICAS · c) FEBRE HEMORRÁGICA DA DENGUE (FHD) · d) SÍNDROME DO CHOQUE DA DENGUE (SCD) · 90% dos casos de FHD/SCD ocorrem em pacientes com infecção por um segundo sorotipo; entre 2 e 10% dos pacientes com uma segunda infecção desenvolvem FHD/SCD. · Letalidade de 40-50% nos casos de FHD/SCD tratados inadequadamente. · Manifestações Clínicas (DC): · 90% dos pacientes apresentam febre geralmente alta, de início abrupto, durando cerca de 7 dias · 25% apresentam exantema máculo-papuloso, na maioria das vezes com prurido (a partir do 2º dia de febre), que surge de uma vez e sem uniformidade · 50% apresentam prostração intensa · 60-80% apresentam artralgia e mialgia · 60% apresentam cefaléia · 50% apresentam dor retro-orbitária · Nas crianças a dor abdominal é muito comum · Classificação da Febre Hemorrágica da Dengue (OMS): · Grau 1 - febre acompanhada de sintomas inespecíficos, em que a única manifestação hemorrágica é a prova do laço positiva. · Grau 2 - além das manifestações constantes do grau 1, somam-se hemorragias espontâneas leves (sangramento de pele, epistaxe, gengivorragia e outros). · Grau 3 – colapso circulatório com pulso fraco e rápido, estreitamento da pressão arterial ou hipotensão, pele pegajosa e fria, e inquietação. · Grau 4 – choque profundo com ausência da pressão arterial e pressão de pulso imperceptível. · Devido ser um processo dinâmico, o paciente poderá ser classificado em um estágio e evoluir, posteriormente, para outro. · Sinais de Alerta de risco de desenvolver Síndrome do Choque da Dengue: · dor abdominal intensa e contínua; · vômitos persistentes; · hepatomegalia dolorosa; · derrames cavitários; · sangramentos (não necessariamente) importantes; · hipotensão arterial (PS<80 em crianças e <90 em adultos); · diminuição da pressão diferencial (<20 mmHg); · hipotensão postural; · agitação e letargia; · pulso rápido e fraco; · extremidades frias; · cianose; · diminuição brusca da temperatura corpórea associada à sudorese profusa, taquicardia e lipotímia · aumento do hematócrito (com variação de 20%) · Complicações - ocorrem habitualmente: · Alta virulência de determinadas cepas, principalmente do sorotipo DEN-2 · Após cessar o estado febril – o período crítico é a fase de transição quando termina a febre · Quando a febre dura pouco tempo (2-3 dias), pode ocorrer um recrudescimento da doença · Quando ocorrem duas infecções sequenciais (de sorogrupos diferentes) no intervalo de 3 meses a 5 anos · Pacientes hiperérgicos, reumáticos, diabéticos, cardiopatas, imunodeprimidos entre outros. · Profilaxia e Tratamento – não existe vacina e não existe tratamento específico. Contra-indicação de AAS
3. Metodologia proposta por J.T. Kent (em Lições de Filosofia Homeopática):LIÇÃO III:Nos primeiros casos de uma epidemia, temos apenas uma vaga idéia da doença, vemos apenas fragmentos e uma parte dos sintomas. Devemos então:· Observar cuidadosamente cerca de 20 casos; · Registrar todos os sintomas presentes em cada caso; · Relacionar os sintomas, classificando-os em: Mentais, Locais e Gerais; · Obter, assim, uma imagem como se um único paciente houvesse expressado todos os sintomas, ou seja, a Totalidade Sintomática (= natureza da enfermidade); · Assinalar os sintomas patognomônicos; · Definir o que é geral ou comum a todos os pacientes (sintomas patognomônicos) e o que é particular (sintomas modalizados) ou peculiar (diferenças pessoais): cada paciente coloca sua própria marca na doença; · Repertorização: assinalar em cada sintoma todos os medicamentos que os apresentam em sua patogenesia, para achar os remédios que correspondem à epidemia; · Selecionar os 7 ou 8 medicamentos que mais cobrem a Totalidade Sintomática, chamados de Grupo de Remédios Epidêmicos para aquela epidemia, e que conduzirá à cura quase todos os casos; · Consultar a Matéria Médica e estudar os quadros individuais desses medicamentos, mantendo-os na mente; · Procedendo então do geral para o particular, ao atender os pacientes observar as pequenas diferenças entre cada caso e adequar cada um dos medicamentos à sua peculiaridade, procurando determinar qual deles é o remédio para cada caso em particular;
Com este procedimento, obteremos os medicamentos mais prováveis para a maioria dos casos; porém, mas se nenhum dos medicamentos do Grupo Epidêmico for adequado, voltar à anamnese inicial e verificar os outros medicamentos. Não administrar medicamentos pelo nome das patologias; nenhum medicamento deve ser administrado ao paciente porque está na lista; ela deve ser feita apenas para facilitar o estudo da epidemia.
LIÇÃO XXIX:· O melhor profilático é o remédio homeopático; · A profilaxia requer um grau de similitude menor do que é necessário para curar: um remédio não tem que ser tão similar para prevenir a doença quanto deve ser para curá-la.
4. Aplicação da Metodologia Kentiana
Foram coletados e assinalados os sintomas de 15 pacientes[3] e partir deles procedemos à repertorização dos sintomas mais importantes.
* SP = sintoma patognomônico ** SMVM – síndrome mínimo de valor máximo
5.
Repertorização da SMVM para acesso a imagem clicar no endereço
6. Matéria Médica Comparada dos Medicamentos do Grupo Epidêmico da Dengue, selecionados a partir da repertorização dos sintomas obtidos dos pacientes.
6.1 Diagnóstico diferencial dos medicamentos nas Hemorragias
7. Proposta de estudo multicêntrico de tratamento profilático e curativo da dengue com medicamentos homeopáticos
Considerando-se a possibilidade teórica e prática do tratamento profilático e curativo da Dengue com medicamentos homeopáticos, e considerando-se a possibilidade atualmente concreta de implantação de um Programa de Profilaxia e Tratamento da Dengue, nos vários locais que possuem atendimento homeopático na Rede Básica de Saúde Pública, algumas questões devem ser colocadas: · Qual medicamento usar para a Profilaxia? · O medicamento profilático deve ser o mesmo em todas as áreas do país? · O medicamento profilático deve ser diferente de acordo com as condições climáticas locais? · Qual potência usar? · Quantos glóbulos ou gotas usar em cada dose? · Quantas doses usar? · No caso de doses repetidas, qual o intervalo entre as doses? · Qual a duração do tratamento profilático?
Durante a Jornada sobre Dengue realizada na Associação Paulista de Homeopatia, houve grande debate sobre o medicamento mais apropriado para ser usado na profilaxia da doença. Após muita discussão, chegou-se a um consenso de que o melhor medicamento para a profilaxia seria Bryonia Alba, por ser o medicamento que mais se assemelha ao quadro clínico clássico e aos sintomas patognomônicos da enfermidade.
7.1 Metodologia proposta
1) Realização nas unidades básicas de saúde, de um Estudo duplo-cego randomizado, com os participantes divididos em dois grupos: a) Grupo I - serão administradas duas doses de dois glóbulos de Bryonia alba 30 CH, com intervalo de 15 dias entre cada dose; b) Grupo II – serão administradas duas doses de dois glóbulos de glóbulos inertes, com intervalo de 15 dias entre cada dose; c) Após 3 meses serão computados e comparados o número de casos nos dois grupos. 2) O(s) médico(s) homeopatas das unidades ficarão responsáveis pelo atendimento e orientação nos casos de pacientes com reações ao medicamento ou pacientes hipersensíveis que apresentarem sintomas de patogenesia. 3) Os usuários do serviço que já se tratam com Homeopatia e tomaram medicamento homeopático nos últimos 90 dias, ficam excluídos do protocolo. 4) Todos os participantes da pesquisa deverão assinar Termo de Anuência e Compromisso padronizado. 5) Cada unidade básica participante ficará responsável pela obtenção dos medicamentos a serem utilizados, pela assinatura do Termo de Anuência e Compromisso dos participantes, pelo preenchimento das planilhas de registro de dados padronizadas e pelo envio das informações para processamento e análise dos dados pela coordenação do projeto. 6) Cada unidade básica participante indicará um médico responsável, com o compromisso de participar das reuniões para análise dos e conclusão do trabalho.
8. Considerações Finais
Uma pesquisa bem conduzida e coordenada poderá comprovar, dentro de parâmetros metodológicos aceitos pela academia, as experiências dos mestres que nos antecederam no trato das epidemias.
9. Bibliografia
HAHNEMANN, S - Organon da arte de curar. Ribeirão Preto, Museu de Homeopatia Abrahão Brickmann, 1995. KENT, J.T.- Lições de Filosofia Homeopática - Tradução e Comentários Barollo, C.R. (org.) – Ed. Organon - 2ª Ed., São Paulo, 2002.
[1] Médica Homeopata, autora principal do trabalho, responsável pelos atendimentos homeopáticos no JHA, membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Homeopatia (NEPH/UNIFESP), doutoranda do Departamento de Medicina Preventiva da EPM/UNIFESP. [2] Médica homeopatas da Associação Paulista de Homeopatia. [3] Embora Kent recomende o estudo de pelo menos vinte casos clínicos, tínhamos disponíveis no momento apenas 15.
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